A documentação e o registro fotográfico de um determinando momento da história.
Tudo começou com a ideia de um projeto fotográfico, que precisava ser apresentado como trabalho de conclusão ao final da especialização que fiz entre 2009 e 2010. A princípio, pensei em fotografar o litoral de Santa Catarina em preto e branco, mas ansiava por algo além de um simples registro, procurava uma maneira de me envolver profundamente com a paisagem que fotografava. Durante os estudos, conheci os trabalhos do fotógrafo americano Carleton Watkins (1829-1916) e do brasileiro Marc Ferrez (1843-1924), que registraram paisagens e transformações nos Estados Unidos e no Brasil. Devido às limitações técnicas da época, a sensibilidade do material fotográfico exigia longas exposições, criando uma estética única para as fotografias de paisagem.

Na mesma época, descobri o trabalho de Valdir Cruz, fotógrafo brasileiro radicado em Nova York, que produziu uma série de ensaios no Brasil utilizando também a técnica da longa exposição, além de outros fotógrafos como o inglês Michael Kenna, o americano Rolfe Horn e o austríaco Josef Hoflehner.
Como as câmeras atuais não possuem as limitações técnicas do século XIX, precisei criar essa restrição para fotografar. Comprei um filtro ND, utilizei ISO 50 ou 100 e regulei a abertura da lente para f/16. Dessa forma, consegui que pouquíssima luz chegasse ao sensor da minha câmera. O uso da longa exposição não foi apenas uma escolha estética e de linguagem, mas também uma maneira de desacelerar o processo fotográfico, exigindo o uso do tripé e uma abordagem mais contemplativa. Comecei fotografando locais de fácil acesso em Florianópolis – Itaguaçu, Beira-Mar Norte, Sambaqui – e, ao longo dos anos, fui explorando outras regiões do litoral catarinense.

Em 2010, fotografei dois locais na parte continental de Florianópolis. Um deles foi a Praia da Ponta do Leal, capturando as pedras Três Irmãs e o trapiche que ficava ao lado delas. Observando imagens aéreas recentes, é possível notar que o trapiche não existe mais. Na época, a construção da Avenida Beira-Mar Continental estava em fase final a menos de 500 metros dali, e atualmente já existe um projeto de ampliação que deve aterrar toda essa área.
Alguns meses depois, fotografei a Praia da Saudade onde fica o trampolim (foto Stairway to Heaven), construído em 1957 pelo engenheiro Rui Ramos Soares, numa parceria entre a Prefeitura de Florianópolis e o Clube 12 de Agosto. A estrutura serviu para a diversão dos banhistas por décadas, mas, em fevereiro de 2022, parte do trampolim desabou.

(Fonte: Google Maps)
As rápidas mudanças nas áreas urbanas próximas à natureza mostram como, em apenas 15 anos, podem ocorrer transformações significativas em nosso espaço. Isso faz com que a memória e as lembranças desses locais sejam preservadas apenas em fotografias e vídeos. Quando comecei a produzir as primeiras imagens da série Litorâneas, tinha apenas uma vaga ideia do motivo pelo qual queria fazer essas fotos. Somente anos depois compreendi verdadeiramente como esse conjunto de fotografias se tornou um registro histórico – o “isso foi”, um testemunho visual da existência prévia das coisas, como menciona o historiador francês André Rouillé em seu livro A Fotografia: Entre o Documento e a Arte Contemporânea.

Muito além da contemplação e do ato quase terapêutico de produzir uma longa exposição – condensando vários segundos e minutos em uma única imagem –, o projeto carrega a intenção de documentar, descobrir e “redescobrir” nosso mundo e nosso litoral por meio da linguagem fotográfica. Criar imagens que ressignificam aquilo que nossos olhos são incapazes de enxergar sem o auxílio do equipamento fotográfico é, ao mesmo tempo, um exercício de percepção e de preservação da memória visual.
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